26 Mai 2020
"Embora o livro aborde extensamente a questão do "silêncio" ou não de Pio XII sobre a perseguição e o extermínio de judeus pelo nazismo, ele tende a focar uma questão mais ampla, cronológica e conceitualmente: a atitude básica da Igreja e do Papa em relação aos regimes totalitários. A pergunta básica, de fato, é o que a diplomacia da Santa Sé poderia fazer (e o que fez) em relação ao nazismo, fascismo, stalinismo, mas também franquismo", escreve Marcello Flores, em artigo publicado por "Corriere della Sera" de 24-05-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
La misura del potere, David Bidussa
Mesmo que seja a primeira contribuição historiográfica que utilize a nova documentação disponibilizada pelo Vaticano sobre o pontificado do Papa Pacelli (no apêndice há uma seleção de textos), o livro de David Bidussa La misura del potere (A medida de poder, em tradução livre, Solferino) evita aquela "veneração aos papeis", que muitas vezes leva a ter expectativas, e depois ilusões, de que nos arquivos existam documentos cruciais para responder questões sobre as quais os historiadores por muito se dividiram. Na esteira dos ensinamentos de Claudio Pavone, Bidussa está convencido de que os arquivos relatem principalmente a história das instituições a que pertencem ou a história que essas instituições gostariam que fosse contada.
Embora o livro aborde extensamente a questão do "silêncio" ou não de Pio XII sobre a perseguição e o extermínio de judeus pelo nazismo, ele tende a focar uma questão mais ampla, cronológica e conceitualmente: a atitude básica da Igreja e do Papa em relação aos regimes totalitários. A pergunta básica, de fato, é o que a diplomacia da Santa Sé poderia fazer (e o que fez) em relação ao nazismo, fascismo, stalinismo, mas também franquismo. Tendo estabelecido que o comunismo é o inimigo "irrecuperável", para o qual a condenação é total, política e moral, a análise de Bidussa se desdobra principalmente em torno dos regimes fascistas, tanto aqueles que aderem aos princípios doutrinários da Igreja quanto aqueles que se distanciam, oferecendo uma contribuição séria e interessante sobre todo o período entre as duas guerras.
O que emerge constantemente é a "frieza", quando não a "condenação", em relação à democracia, mas também a persistência de um juízo sobre a relação entre judaísmo e comunismo que Pacelli, núncio de Mônaco, resume no retrato que ele faz de Kurt Eisner em novembro de 1918: "ateu, socialista, radical ... e, ainda por cima, judeu galego, Kurt Eisner é a bandeira, o programa, a vida da revolução". A obsessão com o perigo bolchevique, no entanto, que leva a se opor à aliança das forças políticas católicas com a esquerda, pode desaparecer no caso da aliança com a direita - a referência é a contrariedade de Pacelli à aliança com o Partido Popular Nacional alemão em 1925 - "dê apoio ou contribua para a hegemonia e instituições próximas às Igrejas Reformadas e protestantes". Diante da condenação que o Papa Ratti fez em 1937 do neopaganismo nazista com a encíclica Mit brennender Sorge, Bidussa se pergunta se seria uma condenação análoga àquela feira contra o comunismo, concluindo que não, pois esta última "é, em vez disso, não política e diz respeito à natureza estruturalmente cultural do regime".
Existe uma possibilidade de "interlocução" em relação aos fascismos que deve continuar, enquanto a condenação ao comunismo parece "irreversível". No livro, existem inúmeras referências às divisões e rupturas internas da Igreja que explicam em parte a necessidade de não "transcender em reações" às violências e à perseguição nazista. As páginas da Espanha são de grande interesse, onde o envolvimento da Igreja "em defesa da Europa, da cristandade" também testemunha o desejo de contrabalançar a centralidade da Alemanha no sistema de fascismos europeus. Bidussa reconhece as mudanças que ocorrem na Igreja entre 1937 e 1939 e ressalta como Pio XII, recém eleito, seja próximo das reflexões de Georges Bernanos, mas também tente reestabelecer o diálogo com a Alemanha, mantendo a condenação doutrinária do nazismo, mas usando "maior cautela na avaliação política dos atos do regime, contra os quais se mantêm o silêncio".
De qualquer forma, as reflexões do futuro Secretário de Estado Tardini são esclarecedoras: para ele, em setembro de 1939, é a Rússia a instigar e empurrar "diabolicamente" à guerra para permanecer do lado de fora e aproveitar os frutos; para ele a operação Barbarossa é a tão esperada oportunidade para poder eliminar o comunismo; e é ele que escreve sobre uma carta de Roosevelt convidando a Igreja a "tomar posição": "Isso me causou uma triste impressão. É uma fria (mas malsucedida) apologia ao comunismo”. Quanto ao "silêncio" em relação aos judeus, Bidussa lembra a Croácia, cujo governo também teria feito o bem (na lista que contrabalança o genocídio de judeus sérvios de parte de Pavelic, estão: a luta contra o aborto, contra a pornografia, a abolição da maçonaria, a guerra ao comunismo). Pacelli estava convencido, e Bidussa destaca a necessidade de entender as razões de sua atuação, de que "a melhor tática operacional fosse aquela da ação firme, porém cautelosa, sem indicar ou declarar publicamente políticas de princípios".
Mesmo que a ação do Vaticano seja incerta e ambígua justamente nos meses cruciais que Roma vive entre 1943 e 1944: "Aquele silêncio, se for um sinal de incerteza, também indica um momento de profunda indecisão". Para tornar a análise da relação com os totalitarismos mais completa, Bidussa continua até o segundo pós-guerra, abordando dois temas já presentes nas páginas anteriores: a situação na Polônia, onde o entrelaçamento entre regime comunista, identidade nacional e fé religiosa católica cria um situação complexa também em relação ao antissemitismo feroz que ocorre naquele país; e aquela da Palestina que, alcançando sua conclusão diplomático-estatal em 1948 com o nascimento de Israel, ainda vê a oposição da Igreja a um estado autônomo judeu, porque os católicos "não podiam deixar de se sentir feridos em seus sentimentos religiosos" por uma semelhante escolha.
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A Igreja de Pio XII dividiu-se diante dos regimes fascistas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU